O futuro digital no Brasil será debatido no 1° Encontro Nacional “Soberania Já!” nesta terça-feira, 8, e quarta-feira, 9, em Brasília. O evento é promovido por uma coalizão de entidades da sociedade civil – dentre as quais, participa o Laboratório do Futuro, projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC).
As entidades são articuladas pela Rede pela Soberania Digital, com apoio da Campanha Internet Legal e de parlamentares de partidos variados.
O evento reunirá parlamentares, ativistas, pesquisadores, coletivos hackers, organizações sociais e representantes do poder público para debater os caminhos da soberania tecnológica no País.
O projeto de extensão Laboratório do Futuro busca desenvolver tecnologias para os cearenses e brasileiros, no Brasil e desempenha um papel fundamental como um dos organizadores e grandes mobilizadores do encontro nacional sobre autonomia tecnológica.
A programação inclui aulas públicas, articulação de uma Frente Parlamentar, plenárias estratégicas e grupos de trabalho para elaboração de um Plano Nacional de Soberania Digital.
A abertura oficial do evento será marcada pela Aula Pública “Como funciona a internet e como deveriam funcionar as redes sociais”.
O especialista Uirá Porã, de 38 anos, é hacker, gestor público, atua no movimento Felicilab e faz parte do Laboratório do Futuro, ele aborda a importância da soberania digital no Brasil e discute a dependência tecnológica atual do País.
Ele aponta os monopólios das big techs como prejudiciais à infância, ao trabalho e à pesquisa científica brasileira, e enfatiza a necessidade de um plano nacional de soberania digital que orquestre esforços fragmentados do governo, parlamento e sociedade civil para construir alternativas nacionais e autônomas.
“A expectativa é iniciar agora a elaboração do plano para, provavelmente, no final de outubro conseguir apresentar uma primeira versão deste plano pela soberania digital (…) para que ele ajude a guiar governos, academia e sociedade agir, saber o que fazer para conseguir conquistar a nossa soberania e nossa autonomia”, afirma.
O gestor público explica que a alienação técnica e a falta de uma infraestrutura digital própria do Brasil levam à submissão a empresas estrangeiras, comprometendo a segurança e o controle dos dados nacionais.
“Nossa vida é toda mediada por tecnologias, pela internet, mas a gente sofre de um problema que é a alienação técnica, que é a situação quando a nossa vida é mediada por tecnologias que a gente não sabe completamente como funcionam e isso nos coloca nessa situação de alienação e de dependência tecnológica”, esclarece Uirá Porã.
Como ocorre a dependência digital brasileira?
No Brasil, segundo Uirá, essa dependência se manifesta, por exemplo, em universidades públicas que armazenam sua produção científica em servidores de empresas estrangeiras como Google e Microsoft, não sob controle nacional.
Ele alerta para o risco de um “congelamento” de atividades em universidades e governos caso o Governo estadunidense ou empresas como o Google, por exemplo, restrinjam o acesso às suas ferramentas no Brasil.
“Teria um completo congelamento das universidades e de boa parte dos governos, porque hoje são completamente dependentes da tecnologia dessas empresas estrangeiras para realizar atividades, como trocar e-mails, guardar documentos e armazenar dados”, explica o gestor público.
Aproximadamente 70% das universidades federais brasileiras aderem aos serviços das big techs estrangeiras, conforme a pesquisa do Observatório Educação Vigiada.
“Hoje as universidades brasileiras precisam urgentemente de um programa de infraestrutura, tanto para os dados dos seus estudantes, as suas pesquisas estejam armazenadas no território brasileiro, cuidados por pesquisadores brasileiros, quanto para que a gente tenha autonomia tecnológica”, opina Uirá.
Para ele, a percepção de que a tecnologia “de fora” poderia ser “melhor” ou mais vantajosa é apresentada como um “conto do vigário digital”.
Segundo ele, isso levou governos e universidades a acreditarem que a “nuvem” de empresas como Amazon e Google era “melhor e mais barato” e representava uma “facilidade”. No entanto, essa crença resultou em uma “dependência tecnológica”.
E menciona que projetos de construção de uma infraestrutura e tecnologias nacionais foram interrompidos a partir de 2010, especialmente após 2016, com o governo Temer retomando contratos bilionários com empresas como a Microsoft.
“Em Brasília, está sendo organizado o encontro sobre soberania digital justamente com propósito de chamar a atenção para retomar esse processo – que outrora o Brasil foi inclusive uma referência mundial – de estabelecer qual tipo de tecnologia queremos desenvolver (…)”, comenta Uirá.
“Entendemos que é um processo tanto de tomada de consciência quanto de falta de políticas públicas”, acrescenta.
Como o Ceará ocupa o debate sobre o futuro digital do Brasil?
A ideia é que, após esse encontro nacional, haja encontros regionais, estaduais e municipais, com o Ceará sendo um dos primeiros a aprofundar essas discussões para desenvolver a autonomia tecnológica, conforme Uirá.
O Ceará, segundo Uirá, desempenha um papel de “protagonismo e liderança” no debate sobre soberania digital no Brasil.
Ele contextualiza que o Estado é pioneiro no desenvolvimento do cinturão digital. Este projeto, na época liderado pelo governo Cid Gomes, levou a fibra óptica da Praia do Futuro para todo o Ceará.
Mas a maioria das fibras que chegam à Praia do Futuro ainda são de propriedade de empresas estrangeiras.
Nesse sentido, o Encontro Nacional “Soberania Já” visa traçar planos para reverter a dependência digital de plataformas estrangeiras.
Além disso, o evento também busca organizar os debates fragmentados sobre regulamentação de Inteligência Artificial (IA), plataformas digitais e desenvolvimento de infraestrutura digital pública.
“Tem debate de regulamentação de Inteligência Artificial, de regulamentação das plataformas de entrega, de trabalhadores, os direitos dos trabalhadores dessas plataformas. Tem debate da necessidade da ampliação da infraestrutura digital de data center no Brasil e um dos grandes problemas é que esses debates estão fragmentados”, completa Uirá.