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O retorno da velha guarda e a mágica da política brasileira

Há um fenômeno curioso – e até previsível – na política brasileira: o tempo, em vez de enterrar figuras desgastadas, parece funcionar como um regenerador. O que em outros países seria visto como passado político encerrado, por aqui vira capital de articulação e “pacificação”. O encontro de Michel Temer, Aécio Neves e Paulinho da Força para discutir o PL da Anistia é apenas mais um capítulo dessa tradição.

O texto que circulou sobre essa reunião levanta um ponto crucial: em Brasília, as chamadas “ressurreições políticas” não são milagre, mas regra. E, de fato, é impossível falar em Michel Temer como alguém ressuscitado, já que ele nunca se afastou por completo. Temer sempre orbitou discretamente como consultor, árbitro ou bombeiro institucional. Sua habilidade de se colocar acima das disputas imediatas, mesmo carregando o peso de rejeições e críticas, o manteve em cena.

A atuação dele em crises recentes confirma esse papel. Em julho, foi Temer quem ajudou a distensionar a relação entre Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes, impedindo que um depoimento se transformasse em confronto. E não foi a primeira vez: em 2021, já havia servido como mediador após o então presidente chamar Moraes de “canalha”. Não é exagero dizer que Temer se especializou em apagar incêndios alheios, ainda que muitas vezes seja também um dos responsáveis pela lenha que alimenta a fogueira.

Mas o encontro relatado mostra algo maior: a velha guarda da política — aquela formada por líderes que atravessaram escândalos, derrotas e vitórias — segue sendo convocada sempre que o sistema precisa de estabilidade. Paulinho da Força, agora relator do projeto, representa justamente essa engrenagem de bastidores, onde alianças se reconstroem, inimizades se relativizam e a política segue seu curso de sobrevivência.

O PL da Anistia, apelidado ironicamente de “PL da Dosimetria”, é a peça mais recente nesse tabuleiro. Se por um lado busca pacificar o ambiente político, por outro reforça a impressão de que, no Brasil, o peso da lei pode ser flexibilizado conforme as conveniências do momento. Há sempre uma lógica de acomodação, onde atores antes combativos se tornam parceiros, e instituições que deveriam estar em lados distintos encontram pontos de convergência.

É nessa dança que Michel Temer reaparece não como protagonista, mas como maestro silencioso. Sua função não é disputar a cena, e sim garantir que a música continue tocando — mesmo que desafinada aos ouvidos da sociedade.

A lição que fica é incômoda: o país insiste em recorrer às mesmas figuras, aos mesmos métodos e às mesmas estratégias de bastidores para administrar crises. A política brasileira parece não se reinventar, apenas reciclar seus personagens. O tempo passa, mas para a velha guarda ele se curva. E, de tão previsível, isso até parece mágica.

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