Elio e Guerreiras do K-Pop trazem discussões calorosas sobre a indústria da animação.
Vivemos uma era ambígua na indústria da animação: enquanto temos obras que se permitem inovar com as ideias mais criativas que a linguagem pode alcançar, temos certo declínio quanto à repercussão de entradas originais.
Ainda que o cinema num geral esteja vivendo sob essa pressão da batalha entre franquias estabelecidas e ideias inéditas, filmes e séries animados sempre foram subjugados neste todo. É quase como aquele primo querido da família que todos amam, mas nem sempre é convidado para a festa.
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Falando de 2025, temos dois grandes lançamentos que já seguem rumo à temporada de premiações: Elio, longa da Pixar que sofreu inúmeros problemas de produção e já se detém o status de pior abertura do estúdio, e Guerreiras do K-Pop, projeto da Sony Pictures Animation distribuído pela Netflix, feito de ingredientes com alto potencial de viralização.
Nas redes sociais, um debate relacionou as duas produções além dos termos básicos: há uma discussão sobre como um título ganhou mais projeção do que outro, mesmo quando ambos não fazem parte de franquias. Em primeiro lugar, colocá-los na mesma balança não é uma comparação completamente justa – ainda que nos leve a questões muito pertinentes.
Elio x Guerreiras do K-Pop
Pixar / Netflix
Elio teve uma divulgação inferior a outras produções da Disney, o que não apenas resultou na baixa popularidade do filme nas telonas, como também alimentou o discurso de que o público não está mais aberto a histórias originais. No entanto, Guerreiras do K-Pop também não teve uma promoção intensa, mas atingiu um sucesso responsável por posicioná-lo no Top 10 da Netflix desde o lançamento, além da imensa comoção nas redes. E agora?
Os dois são ótimos filmes, porém esse debate nos leva a lugares ainda mais profundos do que o gostei ou não gostei, é bom ou não é. Quando comparamos os dois, a falta de simetria está fincada pelo meio em que cada filme foi lançado .A conta não está equilibrada, pois é muito mais fácil ter acesso a um longa disponível em um serviço de streaming do que pagar para assisti-lo nos cinemas. Trata-se de custo, acesso e divulgação.
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É por isso que a discussão não precisa ser levada apenas pelo lado da competitividade, mas que nos ajude a pensar em todos os fatores que atrapalham o bom desempenho de uma história original. É difícil reconhecer isso, porém há sim uma falta de interesse por parte da audiência quanto às propriedades intelectuais novas: mesmo os melhores filmes de sagas estreantes tiveram desempenhos abaixo de continuações nos últimos anos.
O público não gosta mais de histórias originais?

Pixar
Em 2024, Divertida Mente 2 chegou a 1,6 bilhão de dólares em bilheteria ao lado de Moana 2 que fez pouco mais de 1 bilhão e Meu Malvado Favorito 4 que fechou com 969 milhões de dólares. No mesmo ano tivemos Robô Selvagem (333 milhões), que embora seja uma adaptação entra na conta, Wish (254 milhões), Patos! (300 milhões) e o vencedor do Oscar Flow (30 milhões).
Todos os títulos que partiram de histórias não ligadas a sagas já estabelecidas tiveram um desempenho inferior, o que realmente reflete numa dificuldade de alcançar grandes números com esse tipo de trama e, embora o cinema seja uma arte, é também um produto. Parte do capitalismo, o que não rende lucro é facilmente descartado.
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É curioso observar que nesta lista de filmes, todos contam com grandes narrativas e ótimos enredos – os originais e as sequências, vale ressaltar! No entanto, é fato que o público vai atrás do que já conhece quando o assunto é investir seu dinheiro em um ingresso, ainda mais no Brasil em que o valor da entrada é pode chegar a valores muito altos. Quando pensamos que animações normalmente são vinculadas a histórias familiares, isso se torna ainda mais desafiador, pois a conta cresce.
Ao mesmo tempo, o streaming recebeu longas originais que conquistaram a audiência e até mesmo chegaram a ser cotados ao Oscar, como é o caso de Ultraman: Rising, Aquele Natal e, agora, Guerreiras do K-Pop. O fato é que para o mercado das plataformas digitais mudou a relação do público com a cultura pop em geral, principalmente neste momento pós-pandêmico. Enquanto torna-se mais acessível, muda a dinâmica de seleção quanto a o que público acha válido consumir fora de casa.

Pixar / Sony Pictures / Netflix
Embora não seja parâmetro para estabelecer qualidade – e não é mesmo -, a questão é que precisamos de histórias originais para oxigenar toda a indústria cinematográfica, e isso se faz com boas narrativas e divulgação decente. Mesmo que estejam em lugares e até mesmo abordagens de linguagem próprias, os dois filmes centrais discutidos aqui mostram que, sob devidas proporções, há demanda para o que é novo.
De volta ao marketing, as narrativas são prejudicadas, pois até mesmo estúdios não parecem convencidos do que estão fazendo. Com Elio, por exemplo, a produção foi cheia de conflitos, resultando em uma história completamente diferente do que foi proposto: o personagem queer foi masculinizado, temas mais densos diminuídos e a promoção foi marcada por tribulações. Fora que o remake Lilo & Stitch praticamente engoliu o filme.
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O papo não é apenas sobre animações, mas com toda a estrutura que cerca o cinema. Primeiramente, todos os personagens amados por multidões surgiram de algo que, um dia, era apenas uma ideia isolada, sem expansões, spin-offs ou sequências. Uma vez que Hollywood viva apenas dos seus projetos mais promissores, e aqui lê-se rentáveis, tudo o que será estará cada vez mais vinculado a uma cadeia que tritura, transforma e se autorreferencia em uma cadeia minada de criatividade.
Dito isso, Guerreiras do K-Pop e Elio merecem uma chance. Vocês já sabem onde assistir.