O tempo acabou colocando-o em seu lugar.
Charles Chaplin é uma das figuras mais emblemáticas do cinema mudo e a verdade é que o cinema em geral não teria sido o mesmo se não fosse por comédias tão universais como O Garoto, Luzes da Cidade, Tempos Modernos ou O Grande Ditador.
No entanto, dentro de sua filmografia há uma obra que se destaca não só por sua qualidade, mas também pelas estranhas circunstâncias que cercaram sua produção. Trata-se de O Circo, um longa-metragem estreado em 1928 que foi ao mesmo tempo motivo de orgulho e uma fonte de frustração para Chaplin.
Apesar de sua enorme repercussão, o filme ocupa um lugar estranho na trajetória do cineasta. Foi o último filme mudo do diretor e o primeiro filme da história a receber um Prêmio Honorífico da Academia, mas aquela láurea escondia uma decisão polêmica: a retirada de suas indicações originais a melhor diretor, melhor ator e melhor roteiro.
As filmagens também foram um circo
Por trás dessa indiferença em relação a uma obra tão bem-sucedida se encontram as duríssimas condições nas quais se realizaram as filmagens. Durante a produção, o estúdio sofreu um incêndio, várias cenas-chave foram arruinadas por problemas técnicos e o próprio Chaplin atravessou um escandaloso divórcio que paralisou as filmagens por oito meses. Tudo isso afetou profundamente o diretor, que nunca ficou satisfeito com o resultado final e decidiu manter o filme fora de circulação por quase quatro décadas, até permitir sua reestreia em 1970.
Esse desgaste explica por que O Circo não aparece em sua autobiografia. Embora o filme tenha presenteado o público com algumas das cenas mais lembradas de seu icônico andarilho — como o número na corda bamba —, para Chaplin foi marcado por lembranças de tensão, processos judiciais e desgaste pessoal.
Charles Chaplin Productions
E no que se refere aos Prêmios da Academia, a situação foi igualmente peculiar. A primeira cerimônia do Oscar se celebrou em um contexto turbulento, com Hollywood tentando limpar sua imagem após vários escândalos midiáticos e com a chegada do cinema sonoro graças a O Cantor de Jazz — que estreou apenas alguns meses antes e revolucionou o cinema tal como se conhecia. E Chaplin, que era então o artista mais respeitado da indústria, estava no olho do furacão por seus problemas pessoais.
Embora O Circo tenha sido indicado inicialmente em três categorias, a Academia revogou essas candidaturas e decidiu entregar-lhe em seu lugar um prêmio honorífico por “sua versatilidade e gênio na escrita, atuação, direção e produção”. Uma láurea única que reconhecia seu talento, mas que também parecia projetada para tirá-lo do radar. No entanto, o tempo acabou confirmando que é uma de suas melhores obras, muito a despeito do pouco reconhecimento que pôde receber.