Há quem diga que a política brasileira vive de surpresas, mas, no fundo, ela apenas repete velhos roteiros. Um deles é a tentativa recorrente de se proteger do próprio eleitor. A chamada PEC da Blindagem, aprovada na Câmara, nasceu justamente desse impulso: criar um escudo para parlamentares diante da Justiça. Blindagem contra quem? Contra o cidadão que cobra, contra a lei que pesa, contra o desconforto de responder por seus atos.
O que os deputados talvez não esperassem era a reação das ruas. Neste domingo, 22 capitais e dezenas de cidades foram tomadas por manifestações que deram uma resposta clara: blindagem, não. Anistia, tampouco. A classe política quis fechar o cerco em Brasília, mas abriu uma fenda com o país real.
O curioso é que nem mesmo os artífices da proposta saíram ilesos. No bolsonarismo, já se admite que o movimento foi um “tiro no pé”. O cálculo era simples: proteger aliados, ganhar fôlego, impor narrativa. Mas a política tem dessas ironias — quanto mais se busca esconder, mais se expõe. E a Câmara ficou nua diante da opinião pública.
No Rio de Janeiro, Copacabana virou palco de artistas históricos, vozes que, desde os anos de chumbo, sabem dar o tom da indignação popular. No Ceará, a Praça do Ferreira se transformou em ponto de encontro de estudantes, sindicatos e movimentos sociais, lembrando que a democracia se alimenta não de decretos ou emendas, mas de participação viva, plural, barulhenta.
O Senado, agora, observa o cenário com cautela. Seria ousadia ignorar o recado das ruas. Não é só uma questão de votos ou de conveniências internas; trata-se de percepção pública. E, quando a sociedade percebe a tentativa de blindagem, a confiança se esfarela — junto com os discursos de moralidade que tantos ensaiam em tempos de campanha.
A lição é dura, mas simples: não existe blindagem que resista ao olhar coletivo. Porque, no fim das contas, é sempre a democracia quem cobra a conta.